Folha promove seminário para debater desafios do jornalismo
A Folha realiza até esta quarta (21) o 2º Encontro Folha de Jornalismo, em comemoração do 97º aniversário do jornal e do lançamento do novo Manual da Redação.
O evento, que reúne alguns dos principais nomes da imprensa brasileira e convidados internacionais, debate as perspectivas e os desafios do jornalismo.
Nos dois primeiros dias, a programação teve palestras, debates e talk-shows. Um debate sobre o novo "Manual da Redação" encerrará o encontro, nesta quarta.
O debate sobre o Manual acontecerá às 11h no Teatro Folha, que fica no Shopping Pátio Higienópolis.
Veja abaixo como foram os dois primeiros dias do evento.
Programação desta terça:
9h ABERTURA
Antonio Caño ("El País")
10h MESA 1
Curti, não curti: jornalistas nas redes sociais
Com Graciliano Rocha (Buzzfeed), Leonardo Stamillo (Twitter) e Manoel Fernandes (Bites)
Mediador: Roberto Dias (Folha)
11h TALK SHOW
Mônica Bergamo (Folha) e Ciro Gomes (PDT)
11h30 / 12h10 COFFEE BREAK
12h MESA 2
Igreja-Estado: o que muda com os novos formatos comerciais
Com Nizan Guanaes (África), Daniel Conti (Vice) e Cleusa Turra (Estúdio Folha)
Mediador: Marcos Augusto Gonçalves (Folha)
13h MESA 3
Era dos extremos: cobertura política e apartidarismo
Com Ricardo Boechat (Bandeirantes), Maria Cristina Fernandes ("Valor") e Joel Pinheiro da Fonseca (Folha)
Mediadora: Paula Cesarino (Folha)
acompanhe
"No terreno da opinião, a Folha tem bastante liberdade e espaço para colunistas, mas alguns tipos de opiniões que ocorriam no passado, por exemplo, um Paulo Francis, que tensionava o politicamente correto no uso das palavras, teria espaço hoje?", questiona Mota.
"Não tenho a menor dúvida", diz Maranhão. "Eu não concordava com muita coisa que ele falava. Nem sempre ele apurava corretamente e as vezes usava os números de forma imprecisa, mas tinha coragem de dar opinião".
"Ele [Paulo Francis] distratava o Roberto Marinho sem nenhum medo, e depois eles se entenderam e ele foi para o Rede Globo. Não vejo hoje na mídia brasileira alguém que consiga fazer o que ele fazia. Ele faz muita falta como articulista."
Uma das novidades do Manual da Folha é uma série de condutas para os nossos profissionais nas redes sociais, o que nenhum outro veículo regulou ainda. Diz que a imagem pessoal tende a misturar com a profissional. Como você vê isso?, questiona Vinicius Mota.
"Por formação ou por deformação, sou um libertário. Qualquer regulamentação, eu sou contra", afirmou Waack. "O manual é pouco usado no ponto de vista prático, eu sou contra a regulamentação e a favor de que cada um arque com sua responsabilidade, sou a favor do bom-senso."
"A revolução digital, essa é a marca da nossa era e ela coloca em xeque o que eu caracterizei como o papel estabelecido pelos meios de comunicação de responsável pela verdade definitiva. As pessoas podem pensar o que quiserem. Tem faltado visão e, mais do que isso, coragem, e sobrado covardia em entender o que esta acontecendo", diz.
Bruno Santos/ Folhapress Jornalista William Waack, durante o 2º Encontro Folha de Jornalismo Para Rodrigues, cabe à consciência de cada falante decidir quais termos utilizará em seu discurso. "Não cabe aceitar pressão de nenhum grupo. Não cabe virar refém de nenhum grupo. O poder desses grupos aumentou muito nas redes sociais."
"O jornalismo, sendo um espaço em que o uso da linguagem é crucial, tem que tomar muito cuidado no momento em que a regra politica entra no uso da linguagem. Temos que ajudar nossos leitores e ouvintes a se situar nesse mundo, mas a gente não pode em momento nenhum se tornar refém de um grupo x ou y", diz o colunista.
Sérgio Rodrigues, colunista da Folha e roteirista do programa "Conversa com Bial" (TV Globo), explicou as origens do politicamente correto e defendeu um olhar crítico do jornalismo para o uso das palavras.
"O politicamente correto não é novo, é um leque muito amplo de manifestações culturais e políticas. Ele surge na universidade, no meio acadêmico americano, como consequência dos anos 1960 e da ideia de que a revolução política não fosse mais possível, porque a União Soviética já vinha degringolando. Mas a revolução permeava tudo, tinha que ser resolvida no dia-a-dia e na linguagem —que passou a ser um grande palco de luta política", disse Rodrigues.
"Por um lado, você entra numa luta que é mais fácil: é mais fácil você policiar a língua do que fazer piquete em portas de fábrica. É uma revolução mais fácil, pode até chamar de mais covarde. Mas é uma coisa que trouxe muitos benefícios no momento em que passou a dirigir olhar crítico ao modo como a gente se expressa."
Para Carlos Maranhão, a linguagem politicamente correta "trouxe uma contribuição importante no combate aos preconceitos, na luta contra todos os tipos de discriminação e na defesa dos direitos das mulheres e das minorias". No entanto, "começou a ultrapassar os limites do razoável" ao se transformar em "barreira para a liberdade de expressão e manifestação de pensamento".
"Trocou a clareza pelo eufemismo, a transparência pela hipocrisia e o diálogo pela intolerância", afirmou o jornalista.
Maranhão defende que é uma "evolução civilizatória" substituir termos como "aleijado" por "deficiente físico ou portador de necessidade especial". Porém, diz acreditar que "o limite do bom senso é ultrapassado quando favela vira comunidade, funcionário vira colaborador e cego —por milagre de Santa Luzia— torna-se deficiente visual".
"A gente tem que dar nome as coisas como as coisas realmente são. Ao chamar favela de favela, cego de cego, funcionário de funcionário, não há juízo de valor, apenas precisão de linguagem", afirmou. "Acho que, para enfrentar o problema, o primeiro passo é identificá-lo com nome correto."
Para o convidado, é preciso renomear "o gravíssimo problema de segurança pública do Rio". "Não pode ser definido simplesmente como violência. Violência é briga de vizinho, agressão doméstica, briga de rua. Guerra de quadrilhas, tiroteio, bala perdida, execuções, chacinas, tudo isso tem outro nome: é banditismo, criminalidade."
"Politicamente correto é o que afinal?", questiona Waack, "Estamos falando do correto de acordo com um ponto de vista político. De acordo com a percepção do mundo ao seu redor e também baseado em fatos que consideramos fatos. Os fatos não existem sozinhos". "Correto ou não, portanto, é uma questão da percepção."
"Política aqui me refiro ao sentido mais amplo da palavra. Quando penso em politica, é politica como embate cultural em seu sentido mais amplo. No sentido de estabelecer uma percepção da realidade".
"As pessoas me conhecem como apresentador de TV, mas a maior parte da minha carreira passei no jornal impresso. Fui apresentador, mas é como repórter que meu coração bate até hoje. Como repórter tive que enfrentar essa questão de quem considera um discurso politicamente correto ou não", continua o jornalista em sua apresentação.
"Na revolução do Irã, em 1979, foi a primeira vez que enfrentei o discurso politicamente correto. Já na queda do muro de Berlim não era politicamente correto chamar o muro de "muro da vergonha", era uma barreira ao comunismo".
"Quando se considera o politicamente correto é essencial considerar o discurso politico, de acordo com agendas específicas, promovidas por grupos específicos".
"Fica aqui a provocação: Talvez nada melhor explique o sucesso eleitoral de Trump do que o politicamente correto e as politicas de grupos específicos".
Começando a segunda mesa do dia, William Waack (ex-Globo), Sergio Rodrigues (Folha) e Carlos Maranhão (ex-Abril) discutem os limites do politicamente correto. A mediação será feita por Vinicius Mota (Folha).
Bruno Santos/ Folhapress Waack, Maranhão e Sérgio Rodrigues durante o 2º Encontro Folha de Jornalismo Ao encerrar o talk show, Meredith Taulsen, falou sobre a jogador de vôlei Tifanny Pereira de Abreu, a primeira trans a ser aceita na Superliga feminina de vôlei. "Esporte tem tudo a ver com mudanças e superação do corpo. Não vejo porque não aceitar uma atleta trans", afirmou.
Keiny Andrade/Folhapress Meredith Talusan (editora trans da Them, publicação LGBTQ da Condé Nast) e Chico Felitti (UOL), durante o 2º Encontro Folha de Jornalismo Taulsen comentou o que pensa do posto de editora de gênero, recentemente anunciada pelo "New York Times": "Essas posições podem ser benéficas se todas as pessoas que conseguem dialogar com gênero puderem ter essa oportunidade. E não somente trans e mulheres, mas também homens —eles também são parte da equação. Para realmente progredir nesse tema, os homens também precisam se envolver em algum ponto".
A editoria diz que se candidatou à vaga, mas não foi convocada para uma entrevista. "Eles escolheram uma mulher não trans [Jessica Bennett] para o posto, é tudo o que posso dizer", afirmou.
Qual seria a primeira pergunta de Meredith Taulsen a Donald Trump, caso o entrevistasse hoje? —perguntou à editora um participante do painel. "Provavelmente, perguntaria sobre assédio sexual. Perguntaria se sua visão sobre as pessoas se traduz em sua visão sobre a nação", respondeu a convidada.
"Você acredita que alguém que disse que pretendia essencialmente assediar uma mulher, como essa pessoa estaria qualificada para liderar toda uma nação?", indagou Taulsen.