Folha promove seminário para debater desafios do jornalismo
A Folha realiza até esta quarta (21) o 2º Encontro Folha de Jornalismo, em comemoração do 97º aniversário do jornal e do lançamento do novo Manual da Redação.
O evento, que reúne alguns dos principais nomes da imprensa brasileira e convidados internacionais, debate as perspectivas e os desafios do jornalismo.
Nos dois primeiros dias, a programação teve palestras, debates e talk-shows. Um debate sobre o novo "Manual da Redação" encerrará o encontro, nesta quarta.
O debate sobre o Manual acontecerá às 11h no Teatro Folha, que fica no Shopping Pátio Higienópolis.
Veja abaixo como foram os dois primeiros dias do evento.
Programação desta terça:
9h ABERTURA
Antonio Caño ("El País")
10h MESA 1
Curti, não curti: jornalistas nas redes sociais
Com Graciliano Rocha (Buzzfeed), Leonardo Stamillo (Twitter) e Manoel Fernandes (Bites)
Mediador: Roberto Dias (Folha)
11h TALK SHOW
Mônica Bergamo (Folha) e Ciro Gomes (PDT)
11h30 / 12h10 COFFEE BREAK
12h MESA 2
Igreja-Estado: o que muda com os novos formatos comerciais
Com Nizan Guanaes (África), Daniel Conti (Vice) e Cleusa Turra (Estúdio Folha)
Mediador: Marcos Augusto Gonçalves (Folha)
13h MESA 3
Era dos extremos: cobertura política e apartidarismo
Com Ricardo Boechat (Bandeirantes), Maria Cristina Fernandes ("Valor") e Joel Pinheiro da Fonseca (Folha)
Mediadora: Paula Cesarino (Folha)
acompanhe
"E o Brasil nisso tudo?", questiona Maria Cristina Fernandes. Ela rejeita a comparação das eleições de 2018 com a de 1989 — muito em razão da proliferação de candidatos, segundo a colunista.
"A gente corre o risco de ter uma eleição com eleitores a menos.A gente não sabe quantos eleitores vão comparecer, vencer esse tédio e comparecer às urnas em outubro. Mas a gente sabe que os que forem serão mais bem informados e mais engajados", afirma ela.
Uma semelhança entre 2018 e 1989, para ela, será a proibição ao financiamento empresarial, uma nova regra "herdada com a histeria com a corrupção dos últimos anos".
"A regra não evitou o caixa dois em 1989, como se viu no impeachment de Collor, e dificilmente vai evitar em 2018", ela afirma. "Empresários e banqueiros têm amigos na eleição e já estão comprando pesquisas e doando. E quem vai impedir isso?"
Maria Cristina Fernandes, colunista de política do jornal "Valor Econômico", abre a discussão citando dois artigos sobre as eleições americanas.
"O tema [do debate] é uma preocupação que todos nós que cobrimos política temos antes, durante e depois das campanhas. No início de um ano de cobertura eleitoral, a gente sempre se volta para saber o que a imprensa americana fez nas suas últimas eleições. Só que, desta vez, olhar o que os americanos fizeram no verão passado, pode até virar nossas convicções no jornalismo de ponta cabeça, mas não vai ser fácil de nos dar um norte", diz a colunista.
Ela menciona um artigo de Thomas Patterson sobre o pleito americano de 2016 —ou, para o autor, "como a imprensa derrotou os leitores"— e uma publicação da revista da escola de jornalismo da Universidade de Columbia (EUA), que entrevistou jornalistas que participaram da cobertura da eleição.
Patterson concluiu, diz Fernandes, que "bater igualmente nos dois lados [numa campanha] não neutraliza o resultado, mas pode corroer a confiança na política, nas instituições e no jornalismo". Já as entrevistas com jornalistas americanos evidenciaram desequilíbrios na cobertura e, no caso de um editor, o sentimento de derrota diante do volume de informações produzidas pelos candidatos.
Keiny Andrade/ Folhapress Maria Cristina Fernande, do jornal "Valor", durante o 2º Encontro Folha de Jornalismo Começa a última mesa do dia, "Era dos extremos: cobertura política e apartidarismo", com Ricardo Boechat (Bandeirantes), Maria Cristina Fernandes ("Valor") e Joel Pinheiro da Fonseca (Folha).
A mediação é de Paula Cesarino, ombudsman da Folha.
Keiny Andrade/ Folhapress Ricardo Boechat (Bandeirantes), Joel Pinheiro da Fonseca (Folha) e Maria Cristina Fernandes ("Valor"), na última mesa do 2º Encontro Folha de Jornalismo Nas considerações finais, Daniel Conti afirma que é preciso considerar os novos hábitos culturais e de mídia —que, atualmente, considera serem não lineares.
"Respeitando esse hábito, e cada um fazendo o seu papel, tudo segue de maneira crescente maravilhosamente", afirma o diretor da "Vice".
Para Nizan Guanaes, "é inexorável a transformação da publicidade para acompanhar esse desafio".
"A publicidade recebe o 'branded' com mais entusiasmo do que o jornalismo. A grande dúvida sobre se os jornais etá no campo de vocês, não no nosso. Nós somos parceiros históricos dos jornais e vamos mudar nossa relacao com a marca", ele diz.
"Se nós [publicitários] morrermos, renasceremos com outro corpo. Nós somos buda", encerra Guanaes.
Marcos Augusto Gonçalves questiona como os convidados veem a escalada de assinaturas do "NYT", que já superou a publicidade em questões financeiras.
"Isso é extremamente positivo para as democracias", afirma Guanaes. "Isso é que é recurso de fora de verdade. Mas a publicidade não vai ficar parada também, ela também se transforma. Todas as vezes que o Google quer fazer publicidade, por exemplo, chama um publicitário porque não é apenas o canal, é também a mente criativa".
"Acho excessos naturais, a preocupação importante e os debates constantes, mas imagine se o 'NYT' não tivesse se lançado em todas as iniciativas que se lançou, seria muito mais prejudicial perder um veículo como esse", afirma ele.
Sobre as previsões de fim do jornalismo e as mudanças do mundo digital ele brinca: "Os seres humanos são comprovadamente incompetentes em prever o futuro. Se fossem bons, estaríamos vestidos como os Jetson e comendo pílulas. O futuro nem sempre vem combinado com o que a gente pensa", conclui.
Ainda sobre a transparência, Nizan Guanaes volta a dizer que está claro para o consumidor os limites da publicidade e do jornalismo. "Ele sabe claramente que o plimplim da Rede Globo leva ao comercial. Sabe inclusive pelo tom que se trata de um merchandising."
"A preocupação é legitima, mas precisamos lembrar que as fronteiras mudaram mesmo. Antes eram físicas, agora são digitais, não seriam as barreiras da publicidade a serem mantidas"
Daniel Conti, da Vice, afirma ainda que o maior desafio que sei veículo vê não é distinguir publicidade e jornalismo, mas sim diferenciar as "fake news". "No sentido comercial estamos tranquilos", afirma.
Marcos Augusto Gonçalves reuniu questionamentos da plateia a respeito da maturidade do leitor em distinguir o que é conteúdo jornalístico do conteúdo patrocinado. Ele cita o caso de revistas semanais que trouxeram, nesta semana, anúncios do governo federal sobre a reforma da Previdência em suas capas.
"Todo mundo tem que estar preocupado. A Folha não faria a mesma coisa. A Folha sempre tem comitês, as decisões não são tomadas individualmente. A própria publicidade nem leva para a redação", diz Cleusa Turra. "É do jogo, chegam propostas que você preferiria não ouvir. Muitas vezes nem precisa levar esse assunto para a redação do jornal."
Turra defende que os veículos sejam transparentes —ela conta que todas as parcerias com marcas, quando saem impressas no jornal, levam a marca "Estúdio Folha - Projetos Patrocinados" para indicar que se trata de conteúdo publicitário.
"A preocupação sempre vai continuar. O que interessa é saber quão transparente você quer ser, e a Folha quer ser 100% transparente", ela afirma.
Abrindo as perguntas da plateia, o mediador Marcos Augusto Gonçalves indaga: a relação do "branded content" desenvolvido por veículos não se choca com a atividade das agências de publicidade?
"Não choca, ela colide. Não é que a publicidade está sentada vendo as coisas caminharem", responde Nizan Guanaes.
Para o publicitário, é importante "estabelecer fronteiras antigas, 'você só faz isso e você só faz aquilo". "A maior dúvida está no campo do jornalismo, porque o consumidor não está colocando isso em dúvida", ele afirma. "Para as marcas, é uma oportunidade fantástica."
Daniel Conti, da "Vice", diz acreditar que a melhor conjugação para conteúdo patrocinado é quando as agências trabalham junto com os veículos: "Existem habilidades que são da publicidade no conteúdo e existem habilidades que são do veículo".
Para o diretor do site, o "branded publishing", como ele prefere chamar, tem como premissa "gerar uma audiência original para uma estratégia para aquela marca. Não é impactar".
"É urgente e importante entender e assumir que esse cenário do conteúdo é sem volta no bom sentido, e que existe responsabilidade, talento e espaço para cada um", comenta Conti.
Cleusa Turra, do Estúdio Folha, começa falando sobre as mudanças citadas pelos outros convidados, mas alerta que as coisas "não mudaram tanto assim".
"O Estúdio Folha foi criado há dois anos, a pedido das marcas que estão migrando para um tipo de comunicação que valoriza o conteúdo e estão invadindo o espaço da publicidade tradicional. Nós já desenvolvemos 203 nas plataformas da folha e nas plataformas das próprias marcas. Mas o Estúdio Folha está vinculado à publicidade da Folha, não à Redação, e isso faz toda a diferença", diz.
Ela continua: "Vemos o exemplo de outros jornais, e, ao meu ver, a Folha agiu certo. As marcas buscam o combo eficaz: conteúdo, credibilidade e audiência qualificada, essas propriedades são as da Folha, mas qual área do jornal vai tratar do conteúdo das marcas? Não será na redação por que o princípio básico do jornalismo é a independência editorial".
"As marcas descobriram que, se você, quer engajamento, ele precisa ser de qualidade para a marca seja longeva. É muito desafiador pra nós, a área de publicidade da Folha está totalmente modificada. Antes ela apenas oferecia espaço publicitário, hoje ela está sendo chamada desde o início da concepção da ação. Os clientes estão interessados em nossa expertise de conteúdo, não de jornalismo independente", afirma Turra.
"Em 1800, um empresário queria ter um relacionamento próximo com seu cliente, e passou a oferecer o pneu que vendia com um serviço diferenciado de estrada. Começava assim o guia Michelin. São histórias assim, inspiradoras, que mantêm cada um no seu lugar", conclui.
"A gente sempre foi acostumado a vender espaço, sempre foi assim. E isso mudou. O diálogo dos veículos com as marcas precisa passar por isso, a começar pelo atendimento comercial. Não é mais a ênfase no sentido do relacionamento, da negociação. Hoje, ele tem que ter postura construtiva, não vendedora. Tem que ser muito mais um 'planner'", afirma Daniel Conti.
O diretor-geral da "Vice" conta que as equipes de planejamento comercial e de conteúdo são separadas. "A redação é envolvida num sentido curador, para que se preserve o cotidiano editorial, que é prioridade no cotidiano da 'Vice'. A redação vem apontar as temáticas para aquele 'approach'", ele diz.